Tolerância não é paciência, é inteligência.


(Uma pequena reflexão sobre o senso comum de tolerar)

Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidades e direitos.” “Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidas.” Assim se iniciam os primeiros artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. Assim tenta caminhar a humanidade. O caminho não é perfeito, mas é bom. As tentativas precedem as conquistas. Já anteriormente a isso em 1913, o ecólogo norte-americano Victor Ernest Shelford apresentou no âmbito da biologia o conceito da “Lei da Tolerância”, afirmando que para cada espécie existem limites de tolerância, com um valor mínimo e um máximo dentro das quais consegue a espécie existir nas condições do meio. Shelford, até que formulasse “sua” Lei analisando os fatores ecológicos versus a população das espécies, estudou muito, afinal, não serviria a seu objetivo de legado científico deduzir ao invés de estudar; não podia dispor da facilidade de julgamentos precipitados.
Como já dizia o psiquiatra Carl Gustav Jung (1875-1961): “Pensar é difícil, por isso a maioria das pessoas prefere julgar.” E é nesse ínterim entre julgar o tolerável e o intolerável que está uma grande dificuldade humana de pensar e estabelecer suas relações sociais. Notemos que não tolerar, ás vezes, toca nos limites mínimos ou máximos de nossa aceitação do meio, e nos preserva de algum mal. Obviamente porquê a tolerância não articulada pode nos levar a caminhos permissivos e degradantes em qualquer área da vida. Aceitar o maltrato, a violência estabelecida na sociedade, a corrupção como cultura no país... Normalizar o que afeta a saúde psíquica e a dignidade humana trazem prejuízos diretos aos limites necessários à nossa sobrevivência. Por isso, estabelecer o que é tolerável é um ato de reflexão, entrelaçado entre o pessoal e o socialmente construído. Entre o pensar e o sentir e os caminhos que nossas decisões percorrem nesse conscientizar.
Mas, lembremos que a mesma ‘natureza’ que dá a cada espécie um limite de sobrevivência, não dá de prontidão a 'mente' humana o conhecimento dos limites necessários ou não para suas relações sociais. Precisamos literalmente construí-los. Na insegurança dessa construção, observamos que a natureza da intolerância é a busca da autopreservação e ou a preservação da espécie. Da sociedade. Do núcleo familiar. Da instituição administrada. O instante que nos posicionamos estabelecendo os limites do intolerável (socialmente) acreditamos estar protegendo a nós ou ao nosso meio de algum perigo ou ameaça que advém através de nossas relações. Por exemplo, em casos de vivencias sexuais, afetivas e de questões de gênero, alguns de nós alardeamos a ameaça de nossa continuidade como espécie. Em contraponto quando toleramos (socialmente), estamos com menos defesas, menos medos. E, quando assim nos constituímos não por desinteresse as relações sociais, mas por mais construção interior e troca social de reflexão do que realmente nos ameaça e do que é a diversidade natural à vida humana, alcançamos a tolerância inteligente. Por exemplo, observando inclusive as pesquisas científicas no campo da psicologia social sobre as homoparentalidades e novas constituições familiares, “os estudos concluem que a sexualidade dos pais e das mães não é fator determinante no bem estar e ajustamento psicológico dos seus filhos” como em Parentalidade em casais homossexuais: uma revisão sistemática (Araldi & Serralta, 2016). Constatamos a desconstrução de velhas certezas de alguns e afirmamos sobre a observação das famílias ora vigentes e bem estabelecidas que não são ameaças à ‘instituição familiar’, antes sim, a propagam e reafirmam.
Refletindo sobre como constituir o tolerável, precisamos colocar o mal que o outro não nos faz na conta do tolerável. Precisamos colocar a diferença do outro em relação a nós na conta do natural. Entendamos a essência do que disse São Tomás de Aquino em relação ao senso comum de tolerar: “A tolerância é o mesmo que a paciência.” Mas, paciência não nos remete a benevolência? A generosidade? Se admitirmos que tolerar a uma diferença política, religiosa, afetiva, étnica, física, intelectual, social... é algo benévolo ou generoso de nossa parte, não estamos nos colocando numa condição que parece ser naturalmente superior? Queremos ser superiores ou queremos esclarecer para bem interagir em nossas diferenças e em nossas relações?
Precisamos querer entender para melhor refletir que tudo se constitui de diferenças: dos elementos químicos às culturas das nações; assim como tudo se relaciona, posto que o conjunto de tudo constitui a vida. A busca do ponto de equilíbrio da tolerância social é além de um dever no campo das relações, uma honradez para com a vida numa posição pessoal. Por isso mesmo que tentamos humanamente estabelecê-lo declarando-o um Direito Humano Universal. Mesmo sendo a reflexão para a construção da tolerância inteligente o ato difícil de pensar em vez de julgar; o julgar parafraseado no dito Junguiano.
Pois que, quando tratamos da instância última da normatização da reflexão das relações sociais humanas que é o julgar no sentido jurídico, o que vem embasado da ampla defesa e da constituição da tentativa da melhor reflexão acerca de quaisquer assuntos, quando encaramos de frente o desafio exclusivamente humano de se relacionar com equidade, quando pretendemos defender-nos do injusto, do desnecessariamente intolerável, da exclusão calcada na angústia da autodefesa; é que precisamos entender que tolerância não é paciência, é inteligência. E o que é a inteligência? É bem mais que raciocínio lógico-matemático. Mais que deduções rápidas e desesperadas, excludentes e desinformadas. É mais do que todos nós juntos sendo que é o que nos faz maiores... É outra reflexão.

Livane Clair Mariano
Apaixonada por Filosofia
Aprendiz de Psicóloga
Téc. em Gestão da Qualidade








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